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Foto do escritorEdson Bündchen

Um passo atrás

Para os jornalistas britânicos John Micklethwait e Adrian Wooldridge, em extenso artigo escrito para a Bloomberg, na edição de 24.03.2022, não são óbvios os desdobramentos do fim da fé capitalista na paz, que Norman Angell, no clássico de 1909, The Great Illusion, inaugurou, afirmando que a interconexão do mundo serviria de barreira a guerras de grande monta. Angell foi desmentido pela tragédia da Primeira Grande Guerra e, pouco tempo depois, também pelo mal enjambrado Tratado de Versalhes, que redundou na eclosão de um conflito ainda mais destrutivo. Thomas Friedman, mais recentemente, desenvolveu a original teoria de que países que tivessem, pelo menos uma loja do McDonald’s, não entrariam em conflito. A tese de Friedman se sustentava, até a invasão da Ucrânia pela Rússia, no fato de um determinado país hospedar uma lanchonete da rede americana refletiria a sua integração na economia global, e isso garantiria a paz. Agora, a atitude de Putin, além de desmentir novamente a crença na paz ancorada em interesses econômicos, vai além da tragédia humanitária que tem sido condenada pela maior parte do mundo livre e coloca toda a geopolítica global em xeque. Os fluxos de livre comércio, que vinham dobrando a cada período de 10 anos, estão hoje ameaçados pelos atritos nas cadeias globais de fornecimento, redundando não apenas em atrasos, ineficiência e insatisfação dos consumidores, mas ameaçando concretamente o processo de globalização. Nesse cenário, emerge uma possível a até provável reconfiguração do planeta em grandes blocos comerciais, com os EUA, China e Europa na proa e os demais países com as difíceis escolhas sobre em qual das canoas devem embarcar. O Brasil, embora grande territorialmente, é pouco relevante no comércio internacional, e terá que conviver com a movimentação das gigantescas placas tectônicas dos novos blocos sem ainda esperar ou deter maior protagonismo. Nesse sentido, conciliar interesses históricos de nossa diplomacia com o emergente quadro que se prenuncia, poderá ter enorme impacto na economia e no futuro do País.


Uma necessária ação para nossas escolhas estratégicas em relação ao novo quadro que se avizinha é precisar com acuidade os limites e as forças presentes na nascente ordem geopolítica e econômica que desperta. Acima de tolices como o “Great Reset” ou a “Agenda 2030” que poluem algumas cabeças afeitas a disseminar teorias da conspiração, o Brasil deve considerar, objetivamente e sem ranços ideológicos momentâneos, o redesenho do liberalismo econômico em curso e ajustar suas velas. O ocidente, sem descuidar da ascensão chinesa, é ainda não somente significativamente mais rico e poderoso que o oriente, como culturalmente muito mais próximo de nós. Os EUA e seus aliados democráticos respondem por mais de 60% do PIB global. As autocracias chinesas e russas, por exemplo, não passam de um terço disso. Ademais, há uma nítida convergência, poucas vezes vista, das nações livres, para refutar peremptoriamente a agressão sofrida pela Ucrânia, e nosso País não pode declinar dessa obrigação, sob pena de vacilar numa questão que está tendo unanimidade entre seus pares ocidentais.


Com vantagens comparativas importantes no agronegócio, o Brasil poderá aproveitar novos arranjos no intercâmbio comercial que estão surgindo para melhor posicionar suas competências. Mas é preciso bem mais. É imperioso, ainda, alargar o espectro de nossas políticas industriais, investir maciçamente em educação, combater a miséria, investir na melhoria do ambiente institucional e destravar a ampla agenda de reformas que dormitam no Congresso, entre elas a administrativa e a tributária. Tudo isso deverá ser feito num ambiente marcado pelo aumento do militarismo, das rivalidades culturais, religiosas e territoriais reaquecidas e com a tentação de isolamento crescer como forma de defesa contra o irracionalismo. É com esse pano de fundo que teremos as eleições desse ano, e muito dessas decisões críticas dependerão do resultado que sair das urnas.


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